Conjunto Musical Gilez

Os Anos Dourados foram reluzentes demais para serem esquecidos.

14.5.06

Discos que a Gilez não toca - 1

Toda banda cover sofre com pedidos insensatos no meio do show. É possível resumir o fenômeno na expressão "Toca Raul", apesar de eu nunca ter ouvido de alguém que estivesse pedindo isso a sério. Uma enquete interessante seria perguntar a músicos qual foi o pedido musical mais nadaver recebido. Na Gilez para mim foi o de uma guria que passou uma hora pedindo "Tempos Modernos" do Lulu Santos - e pior, para ela e as amigas subirem no palco e cantar. Jisús.

Mas a Gilez é uma banda cover intelectualizada, a gente tem critérios. De modo geral, tocamos músicas boas americanas e inglesas feitas até 1967. É o ano do Sgt. Peppers, símbolo máximo da perda da inocência musical no rock. Dali para frente, amor virou também ideologia e não só sentimento, letras viraram manifestos, arranjos viraram experimentos, ruídos de guitarra viraram arte, pedaço de lata de atum virou bateria. (Antes que algum purista reclame, existem exemplos dessas coisas antes de 67, mas vocês me entenderam, é um símbolo. Tipo "idade moderna / idade contemporãnea" que a gente estuda em bimestres diferentes na oitava série.)

Há exceções, que serão explicadas outro dia, mas não tocamos, por exemplo, "Start me up" dos Stones porque é de 1981. Com esse curto recorte histórico do repertório, a possibilidade de recebermos pedidos inatendíveis aumenta em relação às outras bandas cover. E explica a enorme lista de Discos Que a Gilez Não Toca, nova seção em 1.430 partes que começa com All Things Must Pass, obra-prima do George Harrison.

Tenho a tese que o George foi o beatle mais subestimado. Mais que o John e Paul - com eles acontece o oposto até - e mais que o Ringo. Porque ninguém espera muito do Ringo: quando ele faz algo tri, todos se espantam. Quando faz merda, todos dão risada e pensam "ha, esse Ringo". O George ninguém sabia que cantava ou que escrevia boas músicas até 1969, quando largou no disco Abbey Road a assombrosa Something - melhor solo de guitarra da história, melhor balada do rock.

E, no ano seguinte, o mundo viu que John e Paul ficavam escondendo um grande músico quando ele lançou All Things Must Pass. Um disco TRIPLO com canções geniais, vocais cantados com gana, guitarras do Eric Clapton a rodo. Anões de jardim na capa. Timbrões de bateria e violões. Billy Preston nos teclados. Represada por anos, a música do beatle mais jovem nunca foi tão boa quanto entre maio e agosto de 1970. Está fora da nossa área de atuação, mas sempre dentro das minhas playlists. Saiba mais a respeito aqui, mas dê um jeito de baixar: falo pouco do disco porque música é para se escutar, não ler.
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