Finalmente
O segredo está revelado: o disco que toca todas as noites no Vermelho 23 se chama At Last, da Etta James. É um puta disco.
Quem costuma freqüentar o bar, onde nos apresentamos mensalmente, já percebeu que o Zé Maria e o Jair (Alemão), os donos da bodega, gostam muito de alguns cds. Mas, assim, gostam meeeeesmo. Tem um da Nina Simone, outro do Eric Clapton, um do Freddie King, outro do Albert King e um de um cara que toca rocabilly e que eu nunca descobri quem é.
E tem At Last. Um dos melhores discos que eu ouvi na vida. Sem dúvida figura na minha lista dos melhores de todos os tempos. E, entre os poucos cds à disposição no bar, esse é um dos que mais toca. O que é muito bom. Em que pub do mundo o cidadão de bem, pagador dos seus impostos, pode entrar e ter convicção que ouvirá um dos dez melhores discos de todos os tempos?
At Last é um disco cinco estrelas. Não só pela qualidade, mas pelo luxo e elegância dos arranjos. A orquestra do Riley Hampton fez um trabalho magnífico. À primeira vista, é um álbum de jazz, mas o grande mérito do tio Riley foi simplificar os arranjos para que casassem melhor com a voz da Etta, que era uma pirralha na época. Acabou virando um disco de música popular. É difícil de definir o gênero - e isso é sempre um bom sinal.
A Etta não é uma cantora de jazz. É uma cantora de blues, com muito de R&B. Ela grita, ela berra. Ella Fitzgerald permanentemente bêbada e violenta? Algo assim. É o primeiro LP dela, pela lendária Chess. Até ali, 1960, ela tinha tido apenas dois singles de R&B. Analisando o contexto, vocês podem entender melhor porque eu admiro o disco. É o álbum de estréia de uma pirralha que adora gritar. O acompanhamento é de uma orquestra, o repertório é de jazz e algumas canções de blues. Não tinha como funcionar. Ainda assim, mesmo com os ataques histéricos da Etta (que ainda está viva e trabalhando), e o disco é incrivelmente sofisticado. Tem cheiro de uísque 12 anos. Tem toque de veludo cotelê.
Um dos grandes méritos é da própria Etta James. Ela colocou energia nas canções. Me irrita às vezes a frieza dos músicos de jazz. Tecnicamente perfeitos, mas sem alma. Não é o caso desta intérprete. Em Trust Is Me, minha favorita, a Etta começa comportada, levemente sedutora, e termina aos berros, carregada pelo arranjo de cordas - sempre bem posicionado no disco todo. Alguém lembra daquele comercial da Antartica, com a modelo porto-alegrense Patrícia Silveira derramando cerveja no peito, convidativa? Faixa 9. Stormy Weather.
Em todas as músicas, tem uma guitarrinha fazendo frases singelas, despretenciosas. Parece que o guitarrista tava num canto do estúdio, escondido, tentando não incomodar. Acabou acertando em todos os compassos. Quisera eu ser o homem por trás daquelas seis cordas. Um baluarte do minimalismo, esse movimento guitarrístico silencioso que poucos se atrevem a defender. Nunca descobri o nome do sujeito. Pistas neste guichê.
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