Conjunto Musical Gilez

Os Anos Dourados foram reluzentes demais para serem esquecidos.

23.6.08

O pior show da minha vida


No sábado, fui assistir o show do Chuck Berry com o Tiago e Rodrigo. Foi o pior show que eu vi na vida - musicalmente falando.
Tenho lido muitas resenhas sobre os shows do Chuck Berry no Brasil e todas são condencendentes quanto à qualidade da apresentação. Ninguém tem a coragem de dizer a verdade: aos 81 anos, Berry não tem mais condições de tocar ao vivo. O líder da banda erra os solos, fica fora do tom várias vezes, corta as letras pela metade, esquece de versos.
Tudo isso seria um problema caso o artista fosse um sujeito qualquer. Mas quem estava no palco era Chuck Berry, o inventor do Rock and Roll. E eu me emocionei de ver o pai de Roll Over Beethoven, Sweet Little Sixteen e de Johnny B. Goode. O ponto alto foi quando ele fez a duckwalk, a dança que imita um pato, em Oh! Carol. Para um idoso de 81 anos, já não esperava esta agilidade (até hoje, depois de alguns anos de treino, eu não consigo tocar gutiarra e fazer esta dança ao mesmo tempo). E foi emocionante quando ele comandou a platéia sozinho com a guitarra em My Ding-a-ling.
Se Chuck Berry cobrasse R$ 100 por espectador para abanar ao longe e falar umas palavras no microfone por 5 minutos, eu pagaria. Se ele agendasse o abano para dois dias concecutivos, eu iria em ambos. Por isso, posso dizer que tenho sorte por um dia ter assistido o Chuck Berry ao vivo, tocando uma Gibson ES-355 por uma hora INTEIRA, cantando com boa desenvoltura e, para completar, fazendo a duckwalk na minha frente. Chuck Berry em 15% da sua capacidade é melhor que 98% dos artistas da atualidade com 115% de empenho.
A primeira metade do show foi a parte mais sofrível. Ele abriu com Roll Over Beethoven, mas ele não conseguiu cantar toda a letra. Depois de Oh! Carol, ele começou a acertar. Little Queenie for quase perfeita. Johnny B. Goode foi ótima, mas mais pela sensação histórica de estar ouvindo ao vivo do que pela execução.
Chuck Berry foi o verdadeiro inventor do rock porque ele fez a primeira versão do coquetel que mais rendeu filhos na música americana. Ele criou um jeito desleixado de tocar guitarra que permitiu que milhões de pessoas sem talento como eu se aventurassem a encarar um palco, tocar uma música e ainda conseguir arrancar sorrisos da platéia. Sem o estilo Chuck Berry de tocar guitarra, não haveria rock britânico, não haveria punk, não haveria hard rock, metal e por aí vai. Berry também colocou pimenta nas letras do rock. Até então, os versos até podiam ser bem sacados, inspirados na tradição country de Hank Williams, mas ele adicionou o duplo sentido e tradiziu os hormônios adolescentes na canções.
Little Richard também foi muito importante. A bicha velha ensinou os músicos a colocarem fogo no palco. E foi ele que inventou aquela batida que imita um trem a 200 km/h, que é o motor do rock. Mas ele não é Chuck Berry porque ele não tocava guitarra. A guitarra é tudo no rock e Chuck Berry foi o cara que nos ensinou a como usá-la.
Eu prestei minha homenagem ao pai do rock também porque considero ele um artista inovador no sentido amplo. Para detectar se alguém é verdadeiramente revolucionário, é preciso olhar as influências desse cara e analisar o quanto é cópia e o quanto tem de criação no trabalho do artista. Se tem mais criação do que cópia, temos inovação. O músico mais próximo de Chuck Berry é T-Bone Walker, guitarrista de blues que Chuck usou para copiar riffs e presença no palco. T-Bone já fazia todas aquelas danças malucas no palco. Ele colocava a guitarra na nuca e abriu um espacato enquanto tocava. Mas quem ouvir os discos dos dois perceberá um abismo gigante. São artistas completamente diferentes. T-Bone é um bluesman de voz aveludada, autor de canções para serem tocadas num bar escuro, no final da noite, quando sobram alguns bêbados e poucos casais. Chuck Berry é som de festa.
Em algum momento o Tiago comentou que foi o único show que a gente viu de um músico que consta no nosso repertório*. Imagina se o Elvis estivesse vivo e viesse a Porto Alegre? Eu iria, mesmo que foi um show brega e horroroso (grandes chances). Existe uma distância absurda entre as músicas que eu gosto e toco com a Gilez e a música atual, que toca nas rádios. O fosso é tão grande que às vezes tenho a sensação que a gente tem uma equipe de arqueologia e não uma banda de rock. Mas eu pude estar na presença de um desses caras que fez história no milênio passado e pude prestar a minha homenagem a ele. E foi uma sensação muito sensacional me conectar com esse passado que eu tanto adoro.

* Eu já tinha visto um show do Stones, em 1994, e eles também estão no repertório.
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